Quando dei acordo de mim, estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o. Era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados… Era uma defunta! E aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida… Era o anjo do cemitério! Cerrei as portas da igreja que, ignoro porque, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo. Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim. Rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela, como noivo os despe à noiva. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos.
O fragmento retirado da obra Noite na Taverna, do escritor Álvares de Azevedo, distingue-se no Romantismo brasileiro como um exemplar da prosa ultraromântica, porque apresenta um (a)
a) conflito entre dualidades, representado na figura do anjo e na do cemitério.
b) linguagem concisa, com emprego escasso de adjetivos e advérbios.
c) narrador retratando liricamente uma cena fúnebre e sombria.
d) personagem feminina descrita com contornos idealizados.
e) privilégio do fluxo de consciência de um narrador subjetivo.