Manhã clara. A alma de Martinha é que acordou escura. Tinha ido na véspera a um casamento; e, ao tornar para
casa, com a tia que mora com ela, não podia encobrir a tristeza que lhe dera a alegria dos outros e particularmente dos
noivos.
Martinha ia nos seus... Nascera há muitos anos. Toda
a gente que estava em casa, quando ela nasceu, anunciou
que seria a felicidade da família. O pai não cabia em si de
contente.
– Há de ser linda!
– Há de ser boa!
– Há de ser condessa!
– Há de ser rainha!
Essas e outras profecias iam ocorrendo aos parentes e
amigos da casa.
Lá vão... Aqui pega a alma escura de Martinha. Lá vão
quarenta e três anos — ou quarenta e cinco, segundo a tia;
Martinha, porém, afirma que são quarenta e três. Adotemos
este número. Para ti, moça de vinte anos, a diferença é nada;
mas deixa-te ir aos quarenta, nas mesmas circunstâncias que
ela, e verás se não te cerceias uns dois anos. E depois nada
obsta que marches um pouco para trás. Quarenta e três, quarenta e dois, fazem tão pouca diferença...
Naturalmente a leitora espera que o marido de Martinha
apareça, depois de ter lido os jornais ou enxugado do banho.
Mas é que não há marido, nem nada. Martinha é solteira,
e daí vem a alma escura desta bela manhã clara e fresca,
posterior à noite de bodas.
Só, tão só, provavelmente só até a morte; e Martinha
morrerá tarde, porque é robusta como um trabalhador e sã
como um pero. Não teve mais que a tia velha. Pai e mãe
morreram, e cedo.
A culpa dessa solidão a quem pertence? Ao destino ou a
ela? Martinha crê, às vezes, que ao destino; às vezes, acusase a si própria. Nós podemos descobrir a verdade, indo com
ela abrir a gaveta, a caixa, e na caixa a bolsa de veludo verde e velha, em que estão guardadas todas as suas lembranças amorosas. Agora que assistira ao casamento da outra,
teve ideia de inventariar o passado. Contudo hesitou:
– Não, para que ver isto? É pior: deixemos recordações
aborrecidas.
(www.dominiopublico.gov.br. Adaptado.)
Analise as afirmações.
I. Em – Martinha ia nos seus... – a suspensão do pensamento, marcada pelo emprego das reticências, se dá em
função das projeções que o narrador passa a fazer sobre
a idade da personagem.
II. Na oração – Pai e mãe morreram, e cedo. – o termo em
destaque está empregado com valor adverbial, estabelecendo relação de tempo.
III. A frase inicial do penúltimo parágrafo do texto, em discurso direto da personagem Martinha, assumiria a seguinte redação: A culpa desta solidão a quem pertence?
Ao destino ou a mim? Eu creio, às vezes, que ao destino;
às vezes, acuso-me a mim própria.
Está correto o que se afirma em
(A) I, apenas.
(B) III, apenas.
(C) I e II, apenas.
(D) II e III, apenas.
(E) I, II e III.
Resposta
e